Cristiano Zanin vota contra tese do marco temporal das terras indígenas

Por Revista Conjur em 31/08/2023
Cristiano Zanin vota contra tese do marco temporal das terras indígenas

A proteção constitucional dos direitos dos povos originários às terras tradicionalmente ocupadas por eles independe da existência de um marco temporal em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.

Com esse entendimento, o ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal, votou nesta quinta-feira (31/8) contra a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas, acompanhando o relator da matéria, ministro Edson Fachin. Com isso, o julgamento está 3 a 2 contra o marco temporal.

Para Zanin, populações indígenas têm direito às terras que tradicionalmente ocupam desde o Império e, em sede constitucional, desde a Constituição de 1934. 

"O constituinte de 1988, ao reconhecer o direito originário sobre as terras tradicionalmente ocupadas, determinou à União a demarcação como ato meramente declaratório. Ao admitir tais direitos como originários, a Constituição os admitiu como direitos mais antigos do que qualquer outro, de modo a preponderar sobre pretensos direitos adquiridos, ainda que materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação da posse", disse o ministro. 

Ainda segundo Zanin, a demarcação não pode estar condicionada à ausência de título sobre as terras, isso porque a Constituição reconhece o direito à posse dos indígenas como originário. 

"Diante desse panorama, verifica-se a impossibilidade de se impor qualquer tipo de marco temporal em desfavor dos povos indígenas, que possuem a proteção da posse exclusiva desde o Império e, em sede constitucional, a partir de 1934. Ademais, o regime jurídico previsto na Constituição de 1988 solapa qualquer dúvida no sentido de que a garantia de permanência dos povos indígenas nas terras tradicionalmente ocupadas é indispensável para a concretização dos direitos fundamentais básicos destes povos."

O ministro também entende que particulares que adquiriram terras indígenas dos entes federados ou da União podem ser indenizados. Nesses casos, disse o ministro, é preciso apurar a responsabilidade dos entes públicos pela titulação indevida. 

O processo que motivou a discussão no STF trata da disputa pela posse da Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, em Santa Catarina. No local vivem indígenas Xokleng, Guarani e Kaingang, e o governo catarinense entrou com pedido de reintegração de posse. Hoje existem mais de 300 processos de demarcação de terras indígenas abertos em todo o território nacional.

Idas e vindas
Relator do recurso extraordinário com repercussão geral, Fachin votou em 2021 contra o marco temporal. De acordo com o ministro, os direitos originários dos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam não dependem da existência de uma delimitação.

Nunes Marques abriu a divergência argumentando que a proteção constitucional das terras indígenas depende do marco temporal. Conforme o magistrado, os povos originários devem comprovar que ocupavam a área em 5 de outubro de 1988 ou que tenham sido expulsos dela. Sem essa limitação, há insegurança jurídica, disse o ministro.

Em voto-vista apresentado em junho, Alexandre de Moraes opinou que a fixação de um marco temporal viola direitos fundamentais dos indígenas.

O ministro ressaltou que o Estado deve indenizar quem, de boa-fé, comprou terra indígena. Afinal, nessa situação a culpa é do poder público, que não arcou com o dever de proteger as áreas pertencentes aos povos originários.

Em voto-vista apresentado nesta quarta-feira (30/8), André Mendonça seguiu Nunes Marques pela validade da tese do marco temporal. O ministro apontou que os constituintes de 1988 estabeleceram um marco para a demarcação de terras indígenas com o objetivo de pacificar conflitos.

"Não se trata de negar as atrocidades cometidas, mas antes de compreender que o olhar do passado deve ter como perspectiva a possibilidade de uma construção do presente e do futuro. Entendo eu que essa solução é encontrada a partir da leitura do texto, e a intenção do constituinte originário foi trazer uma força estabilizadora a partir da sua promulgação", disse Mendonça.

O ministro opinou que o Supremo não pode, 14 anos depois, alterar o entendimento fixado no julgamento do "caso Raposa Serra do Sol" (Pet 3.388). Na ocasião, a corte entendeu que as populações indígenas tinham direito às terras que ocupavam na data da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988, ou seja, o marco temporal que agora está em discussão.

Caso o STF mudasse de entendimento, avaliou o ministro, permitiria discussões que remeteriam a "tempos imemoriais", gerando insegurança jurídica.

RE 1.017.365

 

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